Bom na quinta-feira passada (28/07/2011) foi o famigerado #LingerieDay e assim como muitos outros por aí, vou expor minha opinião e participação.
Origem
Antes de mais nada, queria esclarecer de onde surgiu o tal do #LingerieDay
Tudo começou quando três amigos, os brasileiros Fernando Gouveia, Fabio Rodrigues e Izzy Nobre, lançaram a campanha de colocar no avatar uma foto real da pessoa (seja quem for), de lingerie. Não era um movimento feminista, nem um flashmob, nem nada. Era simplesmente uma piada com os “ativistas de sofá”, tão comuns no Twitter. Foi uma zoação com pessoas que usam hashtags nas redes sociais para apoiar uma causa, quando na realidade isso não faz diferença nenhuma. (Talvez alguma conscientização, mas enfim). Então era só isso. Eles participaram, suas respectivas namoradas participaram, e todo mundo achou graça.
E fizeram essa imagem para divulgar o “movimento”:

Repercussão
Mas assim como o #CalabocaGalvão, o negócio tomou proporções inimagináveis, e com interpretações de pessoas que não tinham nada a ver com a brincadeira. MUITA gente aderiu até mesmo sem saber do motivo do movimento, participando como se fosse uma festa a fantasia em que se pode assumir um lado sexy por um dia sem ser julgada (voltarei nisso) e se divertir. Os homens que faziam menos idéia ainda do que estava acontecendo ficaram nas nuvens ao ver as amigas de lingerie fazendo pose, uma ou outra empresa/site/blog fizeram promoções e ganharam pageviews e seguidores, as (e os) exibicionistas receberam seus devidos elogios (e muitas vezes ofensas), e as feministas mais violentas (a.k.a. “feminazis“) ficaram ali, arrancando os cabelos.
E não vamos esquecer das pessoas que, de alguma forma, acharam nisso tudo uma desculpa pseudo-feminista (voltarei nisso também) de dizer que isso só é possível e viável graças ao poder da mulher de poder mostrar o corpo e exercer sua sexualidade do jeito que quiser.
O sangue esquenta e começam as indiretas. As mulheres automaticamente se dividem entre aquelas que participam e as que não participam (já que a participação do homem parece ser totalmente optativa), e são imediatamente categorizadas. As participantes chamam as outras de mal-amadas, feias e covardes, enquanto que as mais resguardadas chamam as participantes de exibidas, vadias, putas. Precisamos cair nessa dicotomia boba? Precisamos dividir em preto e branco?
Mas é bom, olha:
Muita gente gosta de usar lingerie e considera que o #LingerieDay é uma oportunidade de mostrar aquele conjunto que custou caro, ficou ótimo e nem o namorado vê com frequência.
E tem gente que pura e simplesmente gosta de se mostrar. Pessoa jovem com tudo encima tem mais é que mostrar mesmo, né? Ao menos enquanto ainda tá em forma.
E para os caras é a oportunidade de ver aquela amiga ou conhecida em uma roupagem sexy (que ele provavelmente jamais vai ver ao vivo), e salvar na pasta de Light Porn do computador.
Sem contar as multidões de voyers “inspirados” que no dia seguinte não conseguirão misturar açúcar no café de tanto desgaste do braço.
As meninas ganham seguidores? Elogios? Atenção? Claro. Sexo vende e sempre atrai olhares. Atrizes pornô também ganham muitos followers, e fãs no facebook. É o mesmo reconhecimento que um bife a milanesa ganha.
Vi alguns homens defenderem a idéia de que quanto mais pessoas aderirem ao movimento, mais a prática se tornará comum e menos “estigma” ganhará a lingerie e a pessoa que a veste. Algo parecido com o bikini, talvez? São os mesmos que dizem que a mulher tem tooodo o direito do mundo de “expressar sua sexualidade” e “mostrar seu corpo”, pois “a sociedade atual já é moderna o suficiente para permitir” e ainda “sem julgar como algo sexual”. Essa última é o que me mata. Como isso pode sequer fazer sentido para alguém? Se fizermos um #BrancaDeNeveDay, em que todo mundo se veste de Branca de Neve, a fantasia de Branca de Neve vai se tornar algo comum? Ou perder o sentido de fantasia.. ou de branca de neve? A ritualização de alguma coisa só reforça o seu valor ritualistico, e não a torna comum.
Desculpa pseudo-feminista
Não acho que seja a forma certa de ganhar reconhecimento. E também não acho que é a forma certa de batalhar por direitos iguais.

Calças, shorts, tops e até mini-saias são itens que mostravam as formas da mulher e tiveram tanta resistência quanto, talvez hoje estejamos tendo com a lingerie.
A diferença é que, ao contrário das roupas supra-citadas que podem ter algum efeito prático, a lingerie é um fetiche, assim como a roupa de sado-maso, ou a roupa de maid. É relacionada a sexo e a cabaré. E é um item que dificilmente mudará esse conceito.
Direitos iguais seria, no mínimo, oferecer tanto fanservice para as mulheres quanto para os homens. Na verdade, para mim o LingerieDay parece algo muito convenientemente maquiado de feminista.
Mais ou menos como a campanha da Bombril, que basicamente diz “Ei, homem não presta pra fazer nada mesmo, então deixa ele lá, quietinho no sofá, e faz a limpeza da casa você mesma! Já que você é tão esperta e competente.” É. A primeira vista, pode parecer feminista, mas tem um fundo absurdamente machista. É tão machista que tenta convencer a mulher a desempenhar o papel que já está designado a ela.. de bom grado, e ainda achando que está sendo melhor que o homem.
E do mesmo jeito, os defensores do #LingerieDay dizem que a mulher tem poder e independência o suficiente… para se monstrar em poses sensuais com roupa de sexo.
Não é reforçando a posição de objeto sexual (por que as meninas que posam no LingerieDay não são nada mais do que isso) é que se combate essa imagem.
As coisas continuam do mesmo jeito que estavam. E ninguém vai me convencer que a mulher se exibindo em pose sexy de lingerie na internet, é uma conquista das mulheres. Não muda nada, só reforça os valores já existentes.
O que me surpreendeu foi ver minhas amigas dizendo “ah gente, é só um dia pra gente posar de lingerie sem ser julgada”. Como assim, sem ser julgada? Totais desconhecidos batendo uma pra sua foto não te objetifica? Se ninguém fosse ser julgado por algo assim, não teria por que deletar as fotos no dia seguinte. E nem adianta muita coisa, pois as compilações das fotos já estarão em sites e blogs famosos (se a figura “valer a pena”, né?). Mas garota, você não é modelo, nem atriz, nem cantora e.. bom, nem puta. Então você não ganhou nada por se expor, e nada para ganhar algum respeito. Desculpe, mas dificilmente pessoas normais se tornarão um sex symbol em um bom sentido. E para quem não é artista e nem está contribuindo para a arte de alguém (sem sacanagem), você corre os mesmos riscos que alguém corre ao se expor na internet. Nunca se sabe quem verá sua foto, nunca se sabe com quem você vai trabalhar e de quem você vai esperar um tratamento digno e, provavelmente, não vai ter, pois nossa sociedade brasileira atual não lida bem com esse tipo de coisa.
Mulheres donas do próprio corpo, decididas, independentes, podem até não se importar com as opiniões alheias e ganhar algum apoio, mas ainda está cedo para confiar no bom-senso de pessoas imersas na mídia do fanservice para homens, que vêem a grande felicidade da vida no futebol, cerveja, mulher gostosa em ser melhor do que os outros sem precisar fazer nada. Ganhar mais por menos.
A mulher não precisa se esforçar ou lutar para ser vista como objeto e para ser apreciada por suas formas (mesmo que ela não as tenha por esforço, mas pela sorte.. mas isso já é outro assunto). Ela já o é, e não é isso que precisamos reforçar. Considerando a nossa época, em que ainda temos que convencer as mulheres de que elas tem que denunciar quem as subjuga, ao reforçar valores antigos, patriarcais, não estamos contribuindo para o que tantos anos de luta feminista nos conseguiram: direitos por um tratamento digno, de voto, de ganhar o mesmo salário pelo mesmo serviço (quase, né), e até mesmo de sermos diferentes, termos necessidades diferentes, mas não sermos inferiores ou destratadas por isso.
Aah mas você já fez cospelado!
Sim, meu cosplay de Nariko. E cosplay com pouca roupa ainda não é lingerie, e não tem o mesmo sentido ou a mesma intenção.
Cosplay é um hobby que consiste em representar um personagem, e para mim um dos sentidos dele é de incorporar as características, mas também na produção manual de todos os acessórios e roupas. O meu cosplay é uma demonstração de muito trabalho: o de planejar, o de buscar os detalhes, o de criar e adaptar, de manufaturar, de malhar e se manter em forma para vestir a roupa, e, por fim, o de atuar e representar o personagem de forma convincente o suficiente para um fã da arte da mídia identificar o personagem e achar que remete à imagem conceitual dele.
É uma forma de arte. E o objetivo não é mostrar a calcinha ou fazê-la ficar atraente sexualmente. E mesmo que isso aconteça, é necessário saber lidar com a situação para não passar a imagem errada.
Mas tem outra coisa. Cosplay é só uma fantasia, e não vai deixar de ser uma fantasia se fizermos um dia nas redes sociais em que todo mundo coloca foto de cosplay.. Não tem outra pretensão que não seja me fazer passar por algo que não sou. Não tenho vergonha das minhas fotos de cosplay por que elas representam um hobby, um artesanato, e elas não alteram a minha vida. E quem se fantasia de lingerie, está representando o que? Se não é tão ruim assim, por que esconder?
Minhas ações são fundamentadas e resolvidas. E se eu coloco uma foto minha de cosplay na internet, eu não tenho motivos para deletar, ou para reclamar de quem tirou. Se fosse algo vergonhoso para mim, eu não faria desde o começo.
Enfim
Por favor, não nos esqueçamos dos arquétipos da mulher no inconsciente coletivo: a mãe, a guerreira e a meretriz. Querendo ou não, ser mulher ainda é considerado algo como um “estado de espírito”, e não uma condição biológica e fisiológica diferente. A mulher é julgada, medida, avaliada o tempo todo, por homens, mulheres, e por si mesma (para quem quiser se aprofundar nesse tema da imagem da mulher na arte e propaganda, recomendo o livro “Modos de Ver“, de John Berger). Mudar o triunvirato dos arquétipos não é impossível, mas é demorado, progressivo e fruto de uma luta sem fim.
Por exemplo, a Marcha das Vadias, tem como um de seus objetivos a reapropriação do termo “slut” (vadia), para designar uma mulher independente, consciente, capaz de fazer as próprias escolhas sem temer a homens, seus comportamentos ou seus julgamentos. Isso vem do sucesso dos gays americanos em reapropriar o termo queer, que, de ofensa, passou a ser uma simples definição de pessoa. Mas percebemos que é um processo diferente, pois queer não é um arquétipo (entre outros motivos). Além do mais, a Marcha das Vadias é um movimento político feminista, organizado por mulheres, ao contrário do Lingerie Day.
Acho que por enquanto o melhor a se fazer é evitar ganhar propositalmente a etiqueta de vadia, não confiar no bom julgamento ou na compreensão da pura imagem.
A pior coisa do #LingerieDay talvez seja, realmente, o tiroteio de rótulos, mas não podemos negar que a polêmica e o confronto estimulam o diálogo.
Faça o que quiser, ache o que quiser, mostre o que quiser, mas ao menos esteja consciente de suas escolhas.
Contribuição
Por fim, pra ninguém dizer que deixei a data passar em branco ou reclamar que não contribuí, apresento o ensaio da minha gárgula, a Malina:
Opa!
Li o texto todo e gostei bastante do conteúdo, concordo mais com algumas coisas com outras nem tanto. Gostei bastante da parte do cosplay, foi bem interessante, até por que compartilho do assunto, já fiz cospelados. Só tenho uma observação a fazer, o Link para o blog Pink Vader está quebrado, dá uma olhadinha lá!
parabéns pelo post!
concordei com algumas coisas, discordei de outras…mas sem duvida gostei do post!
acho que vc conseguiu passar sua opinião (sem ofender ninguem) de um jeito claro para todos entenderem oq vc pensa sobre o assunto!
ps: a unica coisa que eu não entendo é pq as pessoas acham que se “amostrar” é uma coisa ruim…. ai eu te pergunto existe algum problema nisso? (gostaria de saber sua opinião)
Mah, se “amostrar” é algo muito bom, pois quando você se torna uma amostra, está contribuíndo para a pesquisa e para a ciência. Brincadeirinha. =]
Agora, se mostrar, se exibir… não é ruim. Modelos e atrizes são pessoas que fazem carreira (e uma boa carreira!) se mostrando.
O problema é o nosso país, baseado em uma cultura patriarcal, fortemente ligada a valores da igreja cristã, divide as mulheres em boas e más: as santas e as vadias. E se você não for uma, com certeza é outra. Por essa visão, a mulher que exibe seus dotes, atraindo sexualmente os homens, quer conseguir sexo, e só sexo. Quanto mais proposital, mais claro isso fica. E quando tudo o que uma mulher quer é sexo, a sociedade considera que isso é tudo o que ela tem a oferecer.
Não tem problema nisso. É uma categoria de mulher. É uma mulher para a diversão dos homens, um brinquedinho que não serve para mais nada. E embora todas as mulheres “corretas” tenham direito de demonstrar sua sexualidade entre quatro paredes, as que a expressam para qualquer um (é o que acontece quando sua foto sexy de lingerie vai parar na internet) com certeza não são “santas”. O que pode até ser atraente e lucrativo para quem quer criar polêmica, ou para artistas que lidam com a própria imagem o tempo todo. Mas dificilmente são pessoas que são levadas a sério. Tanto é que artistas famosas que expoem o corpo e posam sensualmente só ganham algum respeito quando contribuem para grandes causas sociais. E mesmo assim elas dificilmente serão convocadas para uma missão diplomática.
Hoje em dia conseguimos criar uma imagem mais neutra da mulher, que não necessariamente é puta nem santa, e tem que preencher certos requisitos para ser uma ou outra. O problema é que pender para o lado “puta” abertamente ainda não traz respeito para a mulher, e pode trazer consequências que eu considero indesejáveis. Não tem problema em assumir isso ou se divertir com isso, mas acho importante que seja de forma consciente, e eu não confio no bom-senso do cidadão comum. Quer dizer que eu acho que uma imagem de uma pessoa comum de lingerie exposta permanentemente e descontroladamente na internet pode ser uma armadilha, pois pode ser muito mal-interpretada.
Ainda temos também muito forte o conceito da mulher que “dá” pra conseguir alguma coisa, como um cargo ou uma posição de status. Mesmo que ela tenha ganhado tudo que tem por mérito próprio, ela tem que se provar muito mais do que um homem na mesma posição. Em circunstancias sociais assim, não acho que publicar uma imagem da pessoa como objeto sexual seja vantajoso.
Mas eu espero que quem se arrisca saia ganhando em algum aspecto, nem que ao menos que tenha sido divertido.
“por que não trata nenhuma menina como objeto”? E desde quando avaliar corpos de lingerie nao é tratar como objeto? E quando todas as fotos coletadas do dia são exibidas em uma página só para apreciação de uma mão só de milhares de internautas? Não é tratar como objeto? Discordo completamente.